Intervenção do Presidente da Direcção da ACSG
na apresentação pública da obra
Muitos
saberão a história de Joana Luísa da Gama muito melhor do que eu e, por isso,
não tenho o direito de aqui a contar. Cabe-me, porém, assinalar o fascínio que
sobre mim sempre exerceu a figura e a personalidade de Joana Luísa a partir do
momento em que, por necessidade minha, primeiro, e por contingências várias,
depois, nos fomos encontrando ao longo destas duas décadas.
Desde que
lhe bati à porta, em data que não posso precisar, mas seguramente já depois de
1992, sempre o seu sorriso e a sua disponibilidade se me mostraram, assim como
sempre o motivo foi a obra de Sebastião da Gama: por vezes, para ler, outras
vezes, para investigar; outras ainda, para saber circunstâncias; de outras,
para me satisfazer dúvidas; em variadas vezes, para irmos falar sobre o poeta a
escolas; em todas essas vezes, para aprender.
Ao longo
destes tempos, sempre a Joana Luísa contou Sebastião da Gama, revelando-o na
sua simplicidade e no seu valor; sempre mostrou algo de novo e de poético de um
trajecto que foi, ele próprio, um poema. Aquilo que Joana Luísa me deu em
termos de conhecimento do Sebastião foi muito. Mais: percebi que essa sempre
foi a sua atitude com quem se lhe aproximasse para saber sobre o poeta que foi
o seu amigo e o seu marido; percebi que, de alguma maneira, foi a Joana Luísa
que o perpetuou, que continuou a sua obra, divulgando-a, contando, corrigindo,
preservando a memória.
Poderia a
obra deste poeta azeitonense ter-se ficado por pouco, reduzir-se aos três
títulos que o próprio Sebastião publicou – Serra
Mãe, Cabo da boa esperança e Campo aberto – e a mais uns quantos
textos dispersos por jornais e por livros de curso. Podia, de facto. Mas o
destino encarregou-se de continuar a dar a conhecer a obra do poeta.
O destino e
Joana Luísa. Pois. Mantendo o círculo de amigos de Sebastião da Gama, Joana
Luísa foi deixando que a obra do marido viesse a público, foi incentivando que
a obra tivesse conhecimento alargado e que, postumamente, o nome de Sebastião
da Gama alcançasse os contornos que hoje tem. Trabalho de Joana Luísa, com a
concordância de Sérgio Gama, seu cunhado e irmão mais velho de Sebastião, sob a
orientação e as leituras de amigos como David Mourão-Ferreira, Maria de Lourdes
Belchior, Lindley Cintra, Matilde Rosa Araújo, Couto Viana e Luís Amaro, quase
todos eles já desaparecidos, mas que é justo evocar.
Não tivesse
sido a dedicação e persistência de Joana Luísa e os leitores de hoje não
conheceriam a maior parte da obra de Sebastião da Gama – do Diário, dos poemas, das cartas.
A memória
que Joana Luísa conservou de Sebastião da Gama tem sido primordial para a
reconstituição da sua biografia e da sua leitura. Além de ter contribuído para
a divulgação da obra do poeta, conforme já acima referi, Joana Luísa foi
traçando a cartografia de Sebastião da Gama numa série de testemunhos que
continuam a ser actos de amor, sempre presentes em todas as sessões alusivas ao
poeta que fossem do seu conhecimento, sempre com palavras de revelação a tornar
a memória uma coisa viva, com uma frescura de sentir e uma vivacidade própria,
cativando públicos, partilhando saberes, revelando Sebastião da Gama, dando
continuidade à sua curta vida!
Foi por tudo
isto que, há cerca de um ano e meio, lhe propus que a Associação Cultural
Sebastião da Gama publicasse o conjunto dos seus textos, criados pelo prazer de
relembrar ou para as circunstâncias para que sempre a convidaram, por serem um
manancial de memórias, um testemunho importante para a leitura de Sebastião da
Gama, um repositório que havia a obrigação de divulgar sob pena de poder cair
no esquecimento, associando a essa marca ainda algumas memórias de Azeitão e
das suas gentes, de tempos que já não voltam, e também uns poemas da juventude
que terão servido, muitas vezes, para um cartear sensível de Joana Luísa com Sebastião
da Gama.
Recordo a
alegria da sua resposta e do seu consentimento. E, a partir daí, foi um
trabalho repartido pela Ana Gonzaga Vieitos e pela Maria João Gonzaga Lourenço,
sobrinhas, que deram letra de imprensa aos escritos de Joana Luísa e comigo partilharam
a responsabilidade de esta obra chegar aqui hoje.
Seria uma
pena que o leitor não tivesse acesso a estas memórias, pois elas ajudam a
compreender o que foi a vida de Joana Luísa no sentido de pugnar pela vida que
as palavras de Sebastião da Gama construíam, mostram os tempos e as suas
diversidades, revelam histórias que completam o “puzzle” da poesia, num
percurso em que a capacidade narrativa e descritiva nos confrontam com a
primeira leitura dos poemas, mesmo com o seu momento de construção, num ritmo
em que nos é dado conviver e entrar nos momentos que Joana Luísa partilha com o
leitor.
Para a
Associação Cultural Sebastião da Gama, a quem Joana Luísa nunca fechou portas,
é um gosto poder dar a conhecer ao público estes fragmentos de vida em jeito de
memórias, mesmo porque sentimos tal gesto como uma obrigação, não só de
homenagem, mas também de partilha. Aqui fica, pois, mais um contributo para a
memória de Azeitão e de Sebastião da Gama, albergado sob um título pedido
emprestado a um verso de um poema de Joana Luísa da Gama, a que se acrescentou,
“em jeito de posfácio”, um texto de Vladimiro Nunes, jornalista que colaborou
com o semanário Sol e que, num
encontro de uma tarde, captou a história de Joana Luísa com a sensibilidade de
quem sabe ouvir o outro e contar-lhe a história, um bom retrato da autora
destas memórias, que aqui ficam com uma flor de poesia. Com a nossa gratidão
por este itinerário também feito pela poesia fora! Com o afecto devido pelas
coisas reveladas!
Oxalá este Estala de saudade o coração (Lembranças de
Sebastião da Gama e de Azeitão) possa constituir uma entrada e um
conhecimento do mundo que Joana Luísa e Sebastião da Gama sonharam e, pela
escrita e pela memória, construíram.
Muito
obrigado!
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