A geração literária ligada à revista Távola Redonda (1950-1954) foi objecto de um ciclo de poesia promovido pela Fundação das Casas de Fronteira e Alorna no mês de Maio, sessões que decorreram no Palácio Fronteira, em Lisboa.
Este ciclo integrou quatro sessões, realizadas em 10, 12, 17 e 19 de Maio, cada uma delas dedicada a um autor que colaborou na revista: Cristovam Pavia (1933-1968), David Mourão-Ferreira (1927-1996), Matilde Rosa Araújo (1921-2010) e Sebastião da Gama (1924-1952), respectivamente. Cada sessão foi composta por uma apresentação do autor em destaque e pela leitura de um leque variado dos seus poemas, alguns deles comentados pelo respectivo apresentador.
Fernando J. B. Martinho apresentou Cristovam Pavia como “o poeta que alcança a sua maturidade muito precocemente”. Situando-se no grupo dos católicos progressistas, tinha profunda ligação aos lugares da infância (época que lhe serviu como um “lugar de ouro”), valorizados através de uma poesia introspectiva, de contemplação, assim aparecendo como continuador da poesia presencista. Detentor de uma poesia de dimensão religiosa, nela se afirma a simplicidade dos meios expressivos, a riqueza das imagens. Para Fernando J. B. Martinho, a poesia de Pavia é “muito límpida, muito pura, profundamente elegíaca”, assim se integrando na tradição lírica portuguesa, mas notando-se que existe assinalável “conhecimento da tradição moderna portuguesa”, sobretudo pelas ligações a António Nobre, Sá Carneiro ou a poetas brasileiros como Vinicius de Morais, Jorge de Lima, Manuel Bandeira ou Cecília Meireles.
A poesia de David Mourão-Ferreira foi apresentada por Clara Rocha, que chamou a atenção para linhas de leitura relacionadas com o tempo e com a memória. Relativamente ao primeiro tópico, assinalou a importância da simbologia associada ao ciclo diário (o dia, a noite, a luz), ao valor da medida do instante (assinalando acontecimento, epifania). Quanto ao significado da memória, Clara Rocha aproximou-a dos tempos da infância, da adolescência ou das leituras de referência, vendo a memória como “antídoto quanto ao passar do tempo”, como “um dispositivo de reapropriação dos momentos vitais”. Importantes também nesta dimensão são os lugares, em que, se Lisboa surge (com os seus bairros e as pessoas) como “chave”, já a Europa se apresenta como “o grande lugar”. Clara Rocha considerou ainda a “estreita ligação” entre a tradução e a produção poética em Mourão-Ferreira, defendendo que “a aproximação aos autores europeus e aos clássicos lhe deu a mestria da sua própria poesia.”
A faceta poética de Matilde Rosa Araújo teve a leitura de Violante Magalhães, que enquadrou a autora na perspectiva da valorização do lirismo e da autenticidade, marcas que foram apanágio da Távola Redonda. Apesar de a infância ser um tema forte e omnipresente em Matilde Rosa Araújo, temas como a passagem do tempo, a solidão do sujeito, a morte e a fidelidade à tradição lírica pontuam a sua poesia. Para Violante Magalhães, os heróis da escrita de Matilde Rosa Araújo são os humildes (crianças, idosos, varredores, etc.), os grupos mais desfavorecidos, e “a naturalidade dos seus poemas é acompanhada de uma aparente simplicidade”, neles sobressaindo “o peso extraordinário” da infância, vista como algo que “fizesse milagrinhos”.
Sebastião da Gama foi apresentado por João Reis Ribeiro, que assinalou a considerável produção escrita (poesia, diarística, epistolografia, colaboração na imprensa) do autor, quantidade valorizada pela simultaneidade da doença (que o assolou desde os 14 anos), da licenciatura, do estágio e do ensino, tudo tendo decorrido num tempo de 13 anos aproximadamente (contado a partir do mais antigo poema que se lhe conhece, datado de 1939). O papel de Sebastião da Gama na Távola Redonda foi destacado por João Reis Ribeiro, que o considerou um garante à distância da qualidade poética da revista, muito embora o seu principal crítico fosse Mourão-Ferreira. O autor desta apresentação pôs depois em diálogo os quatro poetas abordados neste ciclo, dando a conhecer fragmentos de correspondência entre Sebastião da Gama e cada um dos outros poetas, evidenciando a preocupação da qualidade e da crítica da escrita poética nas cartas para Pavia e Mourão-Ferreira e “um certo espírito fraternal e mais intimista” nas missivas para Matilde Rosa Araújo.
A leitura de poemas das quatro sessões esteve a cargo de Antónia Brandão, Teresa Albuquerque, Vanda Anastácio e Fernando Mascarenhas, o anfitrião deste ciclo de poesia portuguesa do século XX.
[foto por Manuel Herculano - mesa que presidiu à última sessão do ciclo de poesia, constituída por Teresa Albuquerque, João Reis Ribeiro, Fernando Mascarenhas e Antónia Brandão]
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