Quando olhamos um título como
este, Arrábida, meu amor, meu poema
[de Alexandrina Pereira, em edição de autor, de 2013], fica-nos a possibilidade
de nos encontrarmos com uma declaração, assim como nos encara o fio de um
diálogo em que a Arrábida surge como o interlocutor chamado, a quem nos
dirigimos. Seja uma ou outra das possibilidades, a leitura que tal título nos
permite obriga ao estabelecimento de uma relação de gratidão e de simpatia da
parte de quem diz: é que a Arrábida, este ser ou este mundo de que se fala,
oferece-se como sinal de amor e enaltece-se como fonte de poesia. Dúvidas
houvesse sobre esta ligação, logo seriam desfeitas pela abertura que
Alexandrina Pereira dá ao conjunto: “Deixo neste livro a minha declaração de
amor à inigualável serra da Arrábida, que abraça ternamente a cidade de
Setúbal, onde nasci.”
É homenagem, é reconhecimento,
é gratidão. Mas é também forma de eternizar e de firmar a comunhão, que outra
coisa não é esperada de uma relação de amor, que outra coisa não é esperada de
um quadro em que um abraço envolve três forças: a da Arrábida, que abraça; a da
cidade, que é abraçada; a da poeta, que se sente nascida num destes elementos
e, consequentemente, envolvida pelos dois, parte indissociável deste abraço.
Este título é, pois, uma
confissão sobre uma relação, é uma dedicatória, é uma identificação do “eu” com
a Arrábida, num circuito cujo fundamento é dado pelo amor e pela poesia.
O livro assenta sobre 36
poemas, com oito deles traduzidos, dois em cada uma das línguas que são o
castelhano, o francês, o inglês e o alemão. Logo num dos poemas iniciais, a
serra é apresentada na sua grandiosidade com “íntima solidez” da rocha e o fogo
da imortalidade, que lhe advêm da seiva respirada, trazida pelo “vento /
sibilando segredos” e pela chuva, que “dança ao cair”, sendo o leitor
impressionado por um quadro em que os quatro elementos se conjugam e
reconstroem em prol da magia da serra.
A tela Arrábida domina este
percurso, afirmado por um encantamento que resulta de “páginas soltas de
poesia”, metáfora intensa para a descrição da paisagem que se impressiona e que
seduz, num refúgio em que a natureza vai dialogando com os poetas, em forma de
contemplação ou de oração. E assim se cruza o leitor com Frei Agostinho da
Cruz, personagem mística que “escreve poemas / nas alvas paredes do convento”,
uma forma de “grafitar” a maravilha e de cantar a beleza.
Por este itinerário passa
também Sebastião da Gama e aquela imagem da maternidade associada à serra,
várias vezes invocada, mesmo quando é pedido à “doce Serra plena de vida”
(imagem da mãe) algo tão íntimo como: “Deixa-me adormecer / no teu regaço”
(imagem do aconchego e da protecção).
Ao longo destes poemas, vai-se
o leitor encontrando com a força que da Serra brota, dominando o tempo, a vida,
o encantamento. Assiste-se a uma quase vida íntima da serra, numa tentativa de
desvendamento e de presença nos momentos mais intensos dessa vida, dominada por
uma “Primavera infinita”, por uma matriz que sacraliza os instantes, gizada na
paleta das palavras, em busca de uma Arrábida feliz, revelada nos cheiros, nos
sons, nas cores, nos espaços, nos recantos, em que até “o pôr-do-sol, piedoso,
/ consentirá um beijo / na face do tempo”.
Quadro feito de efemeridades em
que o poeta se deixa tocar pela suavidade da vida, este livro de Alexandrina
Pereira fecha com um convite: “Vem ouvir o chilrear dos pássaros! / Há vida
entre o silêncio e o céu. / A fragrância da salva, da murta, do trovisco, da
rosa albardeira / Há o nome e a forma / na Serra inteira.”
Não será difícil ao leitor
sentir que por estes versos de Alexandrina Pereira passa também o quadro do que
será uma tradição literária em torno da Arrábida, marcada referência cultural
cheia de rumores conjugados da pintura e da poesia. Oxalá essa dimensão consiga
passar para quem da Arrábida não está geograficamente próximo! Seria uma forma
suprema de qualquer leitor, independentemente das latitudes em que se fez,
poder subscrever o título do livro: Arrábida, meu amor, meu poema. Outra forma
de dizer: Arrábida, razão de ser e de cantar. Ou ainda de reconhecer um fragmento
do que pode ser o paraíso: Arrábida, feliz Arrábida! - JRR
[Na apresentação da obra Arrábida, meu amor, meu poema, de Alexandrina Pereira (Setúbal: ed. Autor, 2013), em 27 de Abril, publicação em que a Associação Cultural Sebastião da Gama foi parceira. Na foto (de José Rasquinho): João Reis Ribeiro, Helena Fragoso de Matos, Manuel Pisco e Alexandrina Pereira.]
Comentários
Enviar um comentário